Com o isolamento na pandemia, aumenta o uso de drogas

Artigo do psiquiatra Pablo Miguel Roig, CRM 24968*

Para comentarmos a situação atual das drogas, na convivência com uma pandemia, ainda nos faltam dados fidedignos, já que se trata de uma realidade recente, imprevisível e contaminada por medidas de combate muitas vezes contraditórias e incoerentes. Não podemos ignorar a influência que esta doença tem em nossas vidas, provocando mudanças qualitativas e quantitativas com impacto importante na nossa estrutura psíquica. Temos que restringir nossa liberdade de ação, vivemos com a angústia de sermos infectados, de morrer, de sofrer perdas de nossos entes queridos, de perder o emprego, de não poder pagar as nossas contas e de não saber quando isto vai acabar. Somos bombardeados diariamente com notícias que acabam funcionando com técnicas terroristas e vemos como isto é aproveitado por psicopatas de todas as ordens. Estamos sendo roubados de recursos essenciais para o combate ao vírus. Estamos presenciando o manejo político da pandemia. Vemos como a miséria humana é usada para benefício de alguns, falsificando produtos, roubando materiais, superfaturando compras e empreitas e tudo está ao alcance de nosso conhecimento em forma imediata, pela rapidez com que a informação nos atinge.

Pandemia está causando depressão, insônia, violência doméstica e divórcios”

Recentemente, ao comentar um artigo da Organização Mundial da Saúde sobre os efeitos psiquiátricos da pandemia, verifiquei que a partir da medição de consequências em vários países, encontraram um aumento significativo de quadros de depressão, uma piora nos que já vinham sendo tratados e agravamento dos quadros de ansiedade e insônia. Aumentaram também as denúncias por violência doméstica, feminicídio e divórcios. As crianças, além de serem vítimas de descuido ou mesmo agressão física ou psicológica, apresentam, em função do isolamento, dificuldades em relação à atenção, à motivação e ficando extremamente inquietos. Também houve um aumento importante no uso de drogas psicoativas lícitas e ilícitas.

Vamos nos concentrar neste último ponto. Para entendermos a relação do indivíduo com as drogas é importante compreendermos que elas provocam alterações cerebrais que trazem benefícios imediatos, principalmente na área da recompensa emocional e do manejo de ansiedades, do sono, das dores e provocam estados de euforia. As consequências mediatas passam a ser desconsideradas e o presentismo passa a ser a forma de funcionar do usuário, que procura a resposta satisfatória e rápida em forma inconsequente. Desta maneira vai se desenvolvendo a doença, que vai escravizando a sua vítima, que, desarmada de elementos psicológicos, chamados mecanismos defensivos, que mediem as emoções, usam o efeito imediato dos fármacos para aliviá-las, não importando os efeitos tóxicos transformando as drogas nos recursos defensivos espúrios.

Com o isolamento forçado, aumenta o consumo de drogas lícitas e ilícitas”

Uma situação como a que estamos vivendo, com o isolamento forçado, é campo fértil para o agravamento do consumo de drogas tanto lícitas como ilícitas. Mesmo os que não desenvolveram a doença, estão no grupo de risco, já que os consumidores moderados, talvez não consigam voltar ao uso do padrão anterior após a pandemia. A solução tóxica para o manejo das emoções provocadas pela situação atual é de uma ineficiência total, já que o efeito farmacológico só se obtém enquanto o indivíduo está intoxicado, deixando em muitos casos, posteriormente,  a famosa “ressaca”, que geralmente aumenta o que o usuário tentou diminuir, criando mal-estar físico, aumento da ansiedade, irritabilidade, agressividade, depressão, etc.. Na procura da solução imediata e química destes sintomas, instala-se o círculo vicioso do uso compulsivo e inconsequente.

As drogas, em sua maioria, agem negativamente em relação à imunidade, sendo que ela é de total importância como elemento protetor contra o vírus. Além de atuarem na diminuição imunitária, como é registrado em usuários de opiáceos, muitas delas são fumadas, como o crack, o tabaco em todas as suas formas, o cigarro eletrônico, os canábicos, etc.. Todas elas provocam inflamação das vias respiratórias, facilitando o efeito agravante do vírus no local de maior potencial destrutivo.

Descaso com cracolândias, onde estão grupos de alto risco para a COVID-19”

Uma preocupação que deveria ser de todos é a situação das cracolândias, esse submundo do qual temos poucas informações, mas que é um setor de nossa sociedade. Publiquei minha aflição no Blog da Clínica Greenwood, num artigo cujo título é “Os Descartáveis”, em que denuncio o descaso das autoridades, e de toda a sociedade, em relação a este drama que atinge a todos nós e critico a utilização política, com a promessa de dar uma solução para o problema, que fez parte do discurso de todas as últimas campanhas eleitorais. Os frequentadores das cracolândias cumprem com todas as características do grupo de alto risco. Usam uma droga fumada, que inflama os tecidos do sistema respiratório, não respeitam critérios mínimos de higiene, estão em ambientes de permanente aglomeração e estão imunodeprimidos pelo uso das drogas. Claro que não temos dados a esse respeito, porque ninguém sabe o que acontece nesse meio, mas podemos prever que acontecerá uma catástrofe de proporções gigantescas. Não devemos fechar os olhos para este drama.

É evidente que a situação atual é polifacetada e ainda estamos estudando a conduta do vírus, sua patogenia, os elementos de prevenção para a doença, tanto os primários, materializando-se numa vacina, como os secundários, com métodos diagnósticos e recursos terapêuticos para ação nos estágios precoces da doença e os terciários, com meios que ataquem a doença instalada independentemente da gravidade. Além disso, devemos observar as consequências a médio e longo prazo, onde a psiquiatria e o cuidado com adictos terão um papel preponderante.

*Psiquiatra Pablo Miguel Roig, Diretor da Clínica Greenwood, é especialista no tratamento de dependentes de drogas há 42 anos e se tornou referência no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, na Espanha e em Portugal.

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